Publicações

Teletrabalho e a posição do Ministério Público do Trabalho

Teletrabalho e a posição do Ministério Público do Trabalho

13/10/2020

 

Uma das principais heranças da pandemia de Covid-19 no que se refere às relações de trabalho tem sido a adoção do chamado teletrabalho, tanto por empresas quanto por profissionais liberais.

Desde a reforma trabalhista, no final de 2017, o assunto é tratado em lei que o define como sendo a prestação de serviços que ocorre preponderantemente fora das dependências da empresa, mediante a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, e que se distingue do trabalho externo.

O legislador endereça o assunto de forma superficial e transfere para as partes – empregados e empregadores – a competência para definição das regras que serão aplicadas no dia a dia. É valorização do que chamamos de autonomia da vontade das partes.

Nesta semana, no entanto, fomos todos surpreendidos pela Nota Técnica 17/2020, publicada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), que norteia a atuação dos Procuradores do Trabalho “com o objetivo de indicar as diretrizes a serem observadas nas relações de trabalho por empresas, sindicatos e órgãos da Administração Pública, a fim de garantir a proteção de trabalhadoras e trabalhadores no trabalho remoto ou home office”.

Tendo em mente esse objetivo, a Nota Técnica do MPT lista uma série de medidas que deverão ser alvo de atenção por parte dos seus procuradores no momento de uma fiscalização/investigação:

  • Ética digital: respeitar a ética digital no relacionamento com os trabalhadores, preservando a intimidade, privacidade e segurança pessoal e familiar, bem como a obtenção, armazenamento e compartilhamento de dados fornecidos pelos empregados.
  • Contrato de trabalho: regular a prestação de serviços em regime de teletrabalho por meio de contrato de trabalho, definindo a responsabilidade pela infraestrutura para o trabalho remoto e reembolso de despesas. É destacada ainda a necessidade do estabelecimento de condições de qualidade de vida, segurança e de saúde do trabalhador, bem como adaptação e treinamento para o teletrabalho para qualificação e motivação, além do direito de ser informado periodicamente sobre o resultado do seu trabalho.
  • Ergonomia: observar os parâmetros da ergonomia (mobiliário e equipamentos de trabalho, postura física, conexão à rede, design das plataformas de trabalho online), organização do trabalho (conteúdo das tarefas, exigências de tempo, ritmo da atividade) e relações interpessoais no ambiente de trabalho (reuniões, transmissão das tarefas a serem executadas, feedback dos trabalhos executados).
  • Intervalos: garantir ao trabalhador a capacitação e adaptação para introdução de novos métodos ou dispositivos tecnológicos; pausas e intervalos para descanso, repouso e alimentação para impedir sobrecarga psíquica e muscular; adequação da equipe às demandas da produção, etc.
  • Apoio e capacitação: oferecer apoio tecnológico, orientação técnica e capacitação aos trabalhadores para realização dos trabalhos de forma remota e em plataformas virtuais.
  • Prevenção de doenças: instruir os empregados a fim de evitar doenças, físicas e mentais, acidentes de trabalho, além de adotar medidas de segurança como intervalos e exercícios laborais.
  • Escala flexível: adequar a jornada às necessidades de trabalhadores com suas responsabilidades familiares.
  • Etiqueta digital: orientação quanto aos horários para atendimento virtual, assegurando os repousos legais e o direito à desconexão, bem como medidas que evitem a intimidação sistemática (bullying) no ambiente de trabalho.
  • Privacidade: garantir o respeito ao direito de imagem e à privacidade, por meio da realização do serviço de forma menos invasiva a esses direitos fundamentais.
  • Uso de imagem: assegurar que o uso de imagem e voz seja precedido de consentimento expresso de trabalhadores, principalmente quando se trata de produção de atividades difundidas em plataformas digitais abertas em que sejam utilizados dados pessoais (imagem, voz, nome) ou material produzido pelo profissional.
  • Pandemia: garantir a observação de prazo específicos e restritos ao período das medidas de contenção da pandemia para uso do material produzido pelos trabalhadores.
  • Liberdade de expressão: Garantir o exercício da liberdade de expressão, ressalvadas ofensas que caracterizem calúnia, injúria e difamação.
  • Autocuidado: Estabelecer política de autocuidado para identificação de potenciais sinais e sintomas de Covid-19, com garantia de posterior de isolamento e contato dos serviços de saúde na identificação de casos suspeitos.
  • Idosos: garantir que o teletrabalho seja oferecido ao idoso sempre de forma a favorecer a sua liberdade e direito ao exercício de atividade profissional, respeitadas suas condições físicas, intelectuais e psíquicas.
  • Pessoas com deficiência: assegurar que o teletrabalho favoreça as pessoas com deficiência na obtenção e conservação do emprego e progressão na carreira, com reintegração na sociedade, garantindo acessibilidade e adaptação.
  • Controle de jornada: adotar controle da jornada de trabalho para o uso de plataformas digitais privadas ou abertas na realização de atividade e capacitação.
  • Automação: estimular a criação de programas de profissionalização especializada para a mão de obra dispensada para o caso de a automação e a automatização das atividades resultar em eliminação ou substituição significativa da mão de obra.

É indiscutível que medidas como estas têm a sua importância no mundo das relações de trabalho e na valorização do trabalhador. No entanto, se tivermos em mente que a competência essencial do MPT é fiscalizar o cumprimento da legislação trabalhista existente e coibir abusos, a impressão que fica é de que o órgão ultrapassou os limites de sua competência ao incluir na Nota Técnica uma série de aspectos que não estão previstos em lei.

Como o nosso associado Peterson Muta esclareceu em matéria publicada pelo site G1, “as recomendações do MPT não têm força de lei” e “qualquer legislação sobre o assunto, além do já previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), deve ser criada pelo Congresso Nacional”. Veja a matéria na íntegra aqui.

De toda forma, parece-nos que o MPT não teria adotado uma Nota Técnica se não houvesse uma real intenção de cobrar das empresas a implementação das medidas ali prevista. Assim, mesmo que não haja lei que dê suporte à Nota Técnica, é importante que ter em mente as exigências que um dia poderão ser solicitadas pelo MPT.

Nossa equipe Trabalhista está à disposição para esclarecer dúvidas e orientar sobre este e outros assuntos.

 

Autoria: Fabio Chong de Lima

Outras notícias
Tags